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George Cassiel

No meu bairro...



XXI
E se, ao fundo da barbearia, visse reflectido no grande espelho de barbeiro a imagem das minhas costas? De frente para o espelho, mas o que se vê é o que está por trás! Foi o que me aconteceu hoje.
Não estranhei… é mesmo assim, explicou o barbeiro, os clientes precisam de sair satisfeitos, e se trabalhamos em todo o cabelo, é todo o cabelo que precisam de ver, não acha?


XV
Ontem á noite foi Noite de Fazer Sonhar. Ouviram-se contos novos! Histórias de países distantes e reis e princesas e pássaros gigantes e dragões e homens pequenos e gigantes e castelos e cidades perdidas nas florestas e árvores e cogumelos…

Ontem à noite não consegui dormir.


IX
Na Farmácia das Pessoas Saudáveis comprei sumo natural.


(...)

VI
Por cima da mercearia vive um Escrevedor de Sonhos. É sempre importante ter um no bairro. Faz-nos lembrar das coisas que esquecemos quando acordamos de manhã. Quem quer, corre, muitas vezes ainda em pijama, até ao nº2 da Rua da Mercearia e dita o que ainda se lembra de algum sonho que queira registar. Nome, dia, sonho: fica tudo escrito.

Era muito bom que pudesse trabalhar também de noite, mas o Escrevedor de Sonhos também sonha!

Muitas vezes, só aquele último sonho da manhã é que fica escrito. É sempre o último que, normalmente, lembramos melhor.

Esta noite voei. Não me recordo de mais nada.



V
Saí, hoje, mais tarde do que é habitual. Não fui trabalhar. Percorri a Rua dos Ofícios – não aquela onde estão os artesãos, mas a das lojas onde se escreve cartas – até ao fim. Lá, depois da Loja das Cartas Oficiais para o Estrangeiro, cheguei ao cais. Continua atracado o mesmo barco de ontem: dois mastros, velas recolhidas e apenas com um marinheiro a guardar o acesso. Sorri. Imaginei as viagens que deixaram marcas no casco de madeira e voltei para casa.

Se tivesse saído mais cedo tinha-me encontrado com o Director do Cais. Todos os dias faz o registo das entradas e das saídas para o mar. Ele sonha mais do que eu.



IV
Da minha porta vejo o mar. É uma porta no meu quarto, ao lado de um quadro azul.
Um primeiro andar e a vista é magnífica!
No verão, em dias de muito calor, mergulho para me refrescar. O vizinho do rés-do-chão empresta-me sempre uma toalha.



III
No meu prédio vivem pessoas normais.

O vizinho do 2º esquerdo esqueceu-se do cão lá fora e passou a noite a ladrar para não sentir saudades. O vizinho, não o cão!

O meu vizinho do 2º esquerdo trabalha no Arquivo Diário do Bairro. É o responsável pelas entradas no Diário que dizem respeito à nossa rua. Escreve todos os dias a maior quantidade de informação possível: a que horas saímos, para onde fomos, o que fizemos, a que horas regressámos... É uma responsabilidade enorme. Um trabalho que exige uma imensa capacidade para estar atento a todos os pormenores.

Não sei como se foi esquecer do cão! E que vergonha ter de registar isso no Arquivo Diário do Bairro!



II
Ali ao fundo da rua, ao virar da esquina, depois da Fábrica das Coisas Pequenas, há um bosque muito verde. Assim verde como a relva fresquinha pela manhã na primavera! Há um bosque onde costumamos ir algumas vezes por mês, quando a lua se torna grande e nos observa mais de perto.

Nesse bosque verde, como a relva fresquinha pela manhã na primavera, fica, bem lá no meio, escondida por entre os arbustos mais frondosos, numa clareira no meio das árvores, a Máquina de Fazer Sons.

Hoje fui lá ouvir o mar.

Agora, que já há ideias novas, já podemos ter a nossa própria máquina de fazer sons. Mais pequena, é certo! Mas posso tê-la em casa. Hoje, depois de ter ido ali ao fundo da rua, no meio do bosque, numa clareira, por entre os arbustos, decidi trazer uma dessas máquinas pequenas de fazer sons. Escolhi o mar.



I
A Fábrica das Coisas Pequenas fica mesmo do outro lado da rua da farmácia das pessoas saudáveis. Ali, depois da curva onde é a entrada para o parque da Fábrica das Coisas Grandes! A fábrica das Coisas Pequenas tem uma porta onde só parece caber um anão, mas entrei. É lá que se constrói tudo o que ocupa pouco espaço: alfinetes, agrafos para agrafadores, pontas de lápis partidas, chaves de cofres pequenos, anéis de meninas, entre outras coisas, mas, principalmente aqueles bonecos minúsculos que colecciono! Ah! E os botões e os olhos de bonecas também.

A propósito da Farmácia das Pessoas Saudáveis, aproveitei a ida à Fábrica para, do outro lado da estrada, comprar alface. A Farmácia das Pessoas Saudáveis estava a fazer uma promoção de vegetais. Os sumos estavam esgotados e o mel também!

A Fábrica das Coisas Pequenas tem uma porta tão baixinha que quase não consegui entrar. Por isso é que estou com esta dor nas costas!

A Fábrica das Coisas Grandes tem uma porta gigante, mas não entrei, porque não tinha nada lá que me interessasse e estava com esta grande dor nas costas!

Não vou escrever mais, porque a ponta de lápis partida que comprei está a acabar e não posso voltar à Fábrica das Coisas Pequenas... esta dor nas costas não me deixa...



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Explicação (im)possível sobre "No meu bairro..."
Há coisas que não têm explicação.
Há textos que não tem razão de ser.
Começam como que por instinto, como se uma força estranha comandasse os dedos sobre o teclado.
Há textos que nos superam, que têm vida própria e que nos usam como sua própria metáfora.
Este conjunto, que agora começa a ganhar corpo e rotina, sob o título "No meu bairo, ali ao fundo da rua", surgiu assim. Dessa forma incompreensível.
E assim poderá desaparecer, se o texto se esgotar e me deixar de usar!
E explicação era devida (da vida)...


Cassiel @ 3:59 AM | 5 comments

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